quinta-feira, 3 de maio de 2012

OS AMARGOS PINGOS DO NEOFASCISMO

O que se passou no 1º de Maio nos supermercados de um conhecido oligopólio, trazem-me à memória uma cena de quando era ainda criança. Perto de mim, morava num palacete alguém da alta burguesia, talvez mesmo aristocrata, lembro-me de uma festa, provavelmente anos do filho, em que de uma das janelas o pai, com o filho a seu lado, atirava às crianças pobres da zona que se tinham ali juntado, rebuçados, bombons, enfim guloseimas, eventualmente algumas moedas. Cá em baixo, os miúdos lutavam entre si por aqueles restos, para gáudio dos que das janelas do palacete assistiam. Embora criança – mas com outros pais - a cena revoltou-me, indignou-me: senti desgosto tanto dos meninos pobres como do menino rico e, embora só mais tarde tenha racionalizado isto, intuía que ambos começavam a caminhada na vida com as mentes deformadas.
A conhecida ação do grupo a que nos referimos mostra dois aspetos:
- o desprezo (para não dizer ódio) que “os donos de Portugal” têm por tudo o que o 25 de Abril representa. Têm agora uma democracia feita à medida dos seus interesses, pela mentira eleitoralista e pela hipocrisia política. Uma falsa democracia que tem como prioridade permitir que os trabalhadores sejam “livremente” explorados enquanto os donos do país levam “livremente” os lucros para paraísos fiscais. As fortunas dos 3 homens mais ricos do país entre os quais se encontra o sr. destes supermercados, era em 2010 superior aos rendimentos de mais de 1 milhão e 300 mil portugueses. As sobras do festim são atiradas ao povo – agora em muito pior condição que em 2010 – em jeito de provocação: tomem, nós podemos mais, nós controlamos vocês, controlamos os vossos desejos e os vossos pensamentos.
- mostra também a clivagem e contradições existentes no seio do povo. A clivagem entre os que no 1º de Maio afirmaram a sua dignidade e os que se deixam alienar dos seus reais interesses, subordinando-os aos dos exploradores e especuladores, adotando os seus critérios e os seus raciocínios.
Dizia alguém na rádio (TSF) que os que criticavam a ação dos supermercados o faziam por “hipocrisia e cinismo”. O cavalheiro não o fazia por menos, o que mostra o seu nível democrático. Mas mostra mais: mostra o seu raciocínio de cão: o cão só é obediente ao dono, seja este um sevandija, seja alguém decente. No fundo, submetem-se aos “donos de Portugal” porque estes lhes atiram umas migalhas do seu espólio, como o senhor do palacete. Estão de acordo com as agressões do governo aos direitos dos trabalhadores e de todo o povo. Esquecem-se que tudo o que usufruem como direitos sociais foi conquistado com os sacrifícios de gerações que aberta ou clandestinamente comemoraram o 1º de Maio lutando por uma terra sem amos, pela unidade e solidariedade entre os proletários de todos os países – isto é de todos os que vivem exclusivamente do seu trabalho. Mas que importa isto a certa gente: o cão só é fiel a quem reconhece como seu dono.